segunda-feira, 25 de março de 2024

No quadrado de Joana (levemente alterado por mim)


“Marcha completando o pátio, o fim da linha sendo justamente princípio da outra, sem descontinuidade, quebrando-se para o ângulo reto. Não cede um milímetro na posição do corpo, justo, ereto. Porque Joana julga-se absolutamente certa na nova ordem. Assim, anda de frente, o ombro direito junto à parede. Teima em flexionar as pernas, um passo, outro e mais, as solas dos pés quentes através do solado gasto. Agora o rosto sente a quentura do muro, voltado inteiramente, quase roçante – até o fim da linha onde junta ombro esquerdo e marcha de costas na retidão da parede. Finalmente, acha-se na metade da quarta vez, todo pátio contido no âmbito do olhar parado. Anda certo, costas deslizantes como lâminas, na proteção do seu tempo, o muro. Repete, sentindo a certeza da quarta vez. Mais e mais, porque cumpre um dever.

Quantas vezes Joana marcha rigidamente de ângulo a ângulo?

Ninguém sabe. Nem Joana.

Vê-se parada, imaginando o quadrado das horas. Isto vem justamente aliviá-la da sensação incômoda de que um corpo redondo ilumina o pátio. Joana imóvel, quadriculada no pano do vestido, marcando um tempo ainda imarcado, porque novo. Um novo tempo, nascido duro, sofredor.

O quadrado das horas.

Um marco no novo tempo. Cumprido o dever, fortalecida e distanciada das curvas, o pensamento quadrado no ar, quase sólido e o olhar, reto como lâmina sofrendo o impacto, voltando e enquadrando-se nos olhos impossíveis.

Joana está certa no plano vertical.

Só ela compreende a grande significação disto. Imóvel poupando o corpo, principalmente o rosto que sente duro na parte inferior, sustentando o quadro. Não pode perder a forma.

Plana-lisa-justa.

Na perfeição do quadro, sente-se sensível ao formigamento que a rodeia. Joana acredita no que é e na certeza do seu tempo. Entretanto, está só, num quadro ainda infecto de moscas e serpentes ondeadas. Dançam ao seu redor e Joana não tem palavras. Num tempo quadrado, vive-se sem elas na perfeição das coisas, mas a dança dos sons é característica fútil dum subtempo e ela não deve perder-se. Joana teme a roda que ameaçou mostrar-se nos rostos redondos fitando-a. Pode até cair numa espiral e, em ascensão, transformar-se num ponto irritante como a cabeça de um alfinete. Luta para manter-se enquadrada na hora.

Está sozinha neste novo tempo. Só ela o conhece e às suas regras. Não deseja nem pode sair dele. Mas nunca poderá deitar-se que isto é cair escombrada num monte. Tenta observar as regras absolutamente certas, mas não compreendidas. Joana está só. Qualquer inclinação será o encontro da curva e Joana não passará deste plano para o horizontal se vergar-se, perdendo-se. Decididamente não pode deitar-se. Antevê-se amassada e, junto a outros ingredientes, aproveitada numa construção. Será seu destino se for para a cama. Sentir os membros distantes, dentes opacos, pé no terceiro andar e a boca no ângulo direito da porta principal. Os olhos, sim, estes verão as noites enquadradas nos azulejos frente à janela do banheiro. Sim, porque na melhor das hipóteses, Joana ficará no arranha-céu, mas sem a marcha que ainda lhe é permitida. E nem haverá esperança da nova linguagem, tendo a boca fixa. Joana não pode, não deve deixar-se perder.”