“Por que a palavra ‘wa’ pode significar tanto ‘rã’ como ‘bebê’? Por que o choro de um bebê que saiu do ventre da mãe é parecido com o coaxo de uma rã? Por que os bonecos de barro da nossa terra muitas vezes têm uma rã no colo? E por que a deusa criadora da humanidade se chama Nü Wa?”
A autoria desse romance dá-se por Guan Moye, nome por trás do pseudônimo “Mo Yan”, um chinês que alfabetizou-se na literatura através da influência da biblioteca da casa do tio-avô e das rodas de conversa com os mais velhos da sua aldeia. Aldeia essa que, inclusive, é o cenário principal de muitas das histórias que ele se propõe a criar. Pode-se dizer que os relatos ouvidos entre os sussuros dessas conversas foram o início das explosões de pontos dos quais ele agora revive entre própria narrativa. O mais famoso desses relatos, o principal dessa história, é a campanha “Um não é pouco; dois é bom; três é demais”, lançada pela Nova China em 1965, em um período em que as crianças brincavam de comer carvão para enganar a fome.
Cuidadosamente, nessa história, Mo Yan preocupa-se em reconstruir o antes, o início, o meio e o agora atual da política do filho único na China. No papel de “Corre Corre”, um militar aspirante a escritor, ele vê a figura de “Tia Coração” como heroína central, dando vida à observação dos detalhes de suas vivências, buscando criar uma peça de teatro onde a própria Tia Coração é o impacto dela.
Já do outro lado, ainda no início dessa narrativa, Tia Coração, a primeira parteira da aldeia a estudar obstetrícia e uma quase representação do amor entre eles, é corrompida pelo ofício de “Responsável pelo controle da natalidade” dado às parteiras da época. Assumindo a autoridade de um general até o fim dessa história, realizando implantações forçadas de DIUs em mulheres, vasectomias em homens, e abortos obrigatórios, mesmo em estágios avançados de gestação. Com isso, Tia Coração deixa de contar as vidas iniciadas pelo carinho das suas mãos para se tornar assombrada pelas vidas interrompidas. As rãs, cujo ideograma em chinês se assemelha ao de “bebê”, tornam-se fantasmas de vingança, ecoando o trauma e o remorso que a perseguem.
“Minha tia disse que, em dezenas de anos de prática da medicina, ela havia se movimentado inúmeras vezes à noite sem ter medo, mas naquela noite foi assaltada pelo terror. ‘O coaxar das rãs é muitas vezes comparado ao bater dos tambores’, disse ela, ‘daquela vez, porém, parecia mais uma sucessão de soluços, o choro de milhares, dezenas de milhares de recém-nascidos’. No passado ela amava aquele choro mais do que tudo, para uma parteira o choro de uma criança é a música mais linda do mundo! Mas no som daquela noite havia ressentimento e recriminação, era como se as almas de um número infinito de recém-nascidos denunciassem os erros que haviam sofrido.”
Minha personagem favorita é, com toda certeza, Wang Renmei. Ela representa uma pureza e uma bondade que eu nunca vou conseguir alcançar.