quinta-feira, 26 de setembro de 2024

meu relato favorito da revista fracasso

Tem esse cara do andar de baixo. Eu não conheço ele, não sei o nome dele, nem a nacionalidade. Uma vez ele reclamou que a gente estava jogando bitucas de cigarro no pátio dele (não era a gente, era o cara do quarto do andar de cima, o François). Mas isso nem é muito importante. 

Durante a pandemia, esse cara decidiu construir do nada no pátio dele um novo espaço, com um piso e uma casinha pequena nos fundos. E ele construiu. Ele e o filho dele. Eu acompanhei a construção. Ele começou limpando o terreno. Depois ele foi trazendo coisas como cimento e estacas e outras coisas que eu não sei o nome, porque eu não sou um cara que sabe coisas sobre construção. E eu tenho (ou um tinha) uma sacada по quarto onde eu pude ver a evolução gradual e contínua do projeto dele. Eu não sei se ele já tinha isso em mente, e se o que ele pretendia pôde ser feito, porque ele tinha tempo por causa da pandemia, acredito que sim, é uma teoria plausível. E muitos dias eu sentava ali fora, porque era o início da primavera e começava a fazer uns dias toleráveis, e ele passou a me cumprimentar. Era apenas um “Hello!” e eu respondia com “Hello!” ou às vezes com um “Hi!”, mas, de alguma forma aquilo, não sei como dizer, não foi algo extraordinário onde minha vida mudou ou eu tive um insight, mas foi bom. 

Uma vez ele me perguntou de onde eu era e eu disse que era brasileiro e ele falou “Ah, obrigado!”, eu ri e disse que era isso mesmo. Ele não é inglês, como disse antes, não sei nada sobre ele. Mas de alguma forma, por causa dele, eu pude ver como uma coisa passa de uma ideia para uma coisa concreta, real. E como ele foi fazendo isso todos os dias. Todos dias eu penso em elogiar e dizer que ele fez um bom trabalho, mas tenho vergonha. Não sei se vou conseguir dizer isso algum dia para ele. Mas ele também nem precisa. Ele fez um bom trabalho.